domingo, 8 de junho de 2014

Entrevista com o psiquiatra David Schereiber


 “Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e constrangimento” - dizia o escritor francês Michel de Montaigne (1533-1592). Se houve um homem livre nesse sentido, foi o psiquiatra francês David Servan-Schreiber. Autor de Curar e do best-seller Anticâncer, ele lutou durante vinte anos contra um tumor maligno no cérebro. Aos 50 anos, sucumbiu à doença em 2011. Morreu como queria — ao som do segundo movimento do Concerto para Piano Nº 23 de Mozart. Seu último livro, Podemos Dizer Adeus Mais de Uma Vez, é uma lição emocionante de como morrer bem ou, como descreveu a revista francesa Paris Match, “um manual de vida estarrecedor”. “Ter a possibilidade de preparar a partida é, na verdade, um grande privilégio”, escreveu ele. Este livro é uma resposta a todos aqueles que se perguntavam como um médico que escreveu um livro abordando várias maneiras de combater o câncer sucumbiu ao infortúnio daquilo que pregava. Porém, não fossem os hábitos saudáveis que adquiriu, ele provavelmente não teria tido a oportunidade de aprender a morrer.  David nasceu na França em 1961. Estudou medicina na França e no Canadá. Fez parte da organização "Médicos Sem Fronteiras", trabalhando com refugiados em Kosovo e Sarajevo. Éra doutor em ciências neurocognitivas pela Universidade Carnegie Mellon, sob orientação de Herbert Simon, pai da inteligência artificial e Nobel de Economia, e de James McClelland, pioneiro da teoria das redes de neurônios. Sua tese de doutorado foi publicada pela revista "Science". Em 2002, foi eleito o melhor psiquiatra clínico da Pensilvânia. 



OS ANTIDEPRESSIVOS NÃO TÊM NENHUMA UTILIDADE?
Só nos casos mais graves de depressão, quando o paciente não consegue sair da cama e não há nenhuma alternativa de tratamento. Eu não sou contra remédios. O problema é que há um abuso no uso desses medicamentos. Nas grandes cidades, pelo menos uma em cada dez pessoas toma antidepressivos. É um contingente enorme de pessoas, principalmente mulheres. Se uma mulher vai ao médico, há 30% de probabilidade de ela sair de lá com uma receita de antidepressivo, não importa o motivo que a levou à consulta. Isso não faz o menor sentido. Na Inglaterra, costuma-se indicar para a maioria dos pacientes diagnosticados com depressão uma série de alternativas aos medicamentos. Pode ser exercício físico, uma medida comprovadamente eficaz contra o mal e cujos efeitos colaterais são a redução da pressão arterial e a perda de peso. Meditação e ioga também já se mostraram úteis contra a depressão.
MUITOS ESTUDOS MOSTRAM QUE ATUALMENTE AS PESSOAS ESTÃO MAIS PROPENSAS À DEPRESSÃO DO QUE NO PASSADO.
Há inúmeros falsos diagnósticos, mas é verdade que a doença não só avançou em relação a trinta anos atrás como tende a se manifestar mais cedo. Ainda não sabemos exatamente por que isso está ocorrendo. Acredito, no entanto, que se deva ao fato de que estamos mais individualistas e socialmente desorganizados – o que nos torna mais propensos a sentimentos de abandono e solidão. Além disso, hoje em dia temos de ser os melhores em tudo. Temos de ter dinheiro, ser bonitos, bons amantes, ótimos pais, um bom marido ou uma boa mulher. Há outra questão igualmente importante: a nutrição. Desde a II Guerra Mundial, a qualidade dos alimentos mudou dramaticamente. Até então, a alimentação dos animais era bastante diversificada. Eles comiam os legumes e vários tipos de grãos que encontravam nos pastos. Com isso, as carnes, as manteigas, os queijos e os ovos eram ricos em ácidos graxos ômega-3. Esse tipo de gordura é essencial para o bom funcionamento do cérebro, ao estabilizar o humor, controlar a irritabilidade e a agressividade. Hoje, os animais são alimentados apenas com milho e soja. Ou seja, nossa dieta perdeu uma de suas principais fontes de ômega-3. E dietas pobres em ômega-3 resultam em pessoas mais irritadas e agressivas.
O SENHOR DEFENDE O PODER DA MENTE E DAS EMOÇÕES NA CURA DE DIVERSOS DISTÚRBIOS. ESSAS COISAS FUNCIONAM COMO PLACEBO?
O escritor americano Andrew Solomon, autor do livro O Demônio do Meio-Dia, em que relata sua experiência com a depressão profunda, costuma dizer que a discussão em torno do efeito placebo só faz sentido quando se fala em doença física. Quando, no entanto, vamos para o campo dos distúrbios psiquiátricos, como a depressão ou a ansiedade, essa discussão perde o sentido. Se os benefícios do tratamento são justamente a eliminação dos sintomas, então não importa se é placebo ou não. O que importa é que funcionou. Uma vítima de câncer pode até achar que está livre da doença ao tomar um placebo, mas o tumor continua lá. É totalmente diferente do que acontece com um paciente com depressão. Se ele acredita ter-se livrado da depressão, então, de fato, naquele momento está livre dela.
MAS NÃO H?? UM CERTO EXAGERO NA CRENÇA DE QUE HÁBITOS SAUDÁVEIS E PENSAMENTOS POSITIVOS SÃO GARANTIA DE CORPO E MENTE SÃOS?
Eu não sou guru da felicidade. Sou apenas médico. Sei ajudar as pessoas que estão sofrendo. O que faço para mim, e recomendo aos outros, é manter uma dieta rica em ômega-3, praticar exercícios e investir em relacionamentos saudáveis. Os métodos de tratamento naturais, contudo, não são patenteáveis e não há indústria que possa investir nisso.


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